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Tráfego, trânsito, transporte e peering: uma proposta de definição

Revisto em 12/11/2020.

Introdução

Sistematicamente, há sempre alguém pedindo para identificar a diferença entre tráfego, trânsito e transporte. Tem sido tão frequente, que resolvi mais uma vez dar uma explicação definitiva aqui no Infraestrutura da Internet. Naturalmente, sob o meu ponto de vista pessoal, que difere um pouco do senso comum.

 

O senso comum, parece estar pouco interessado em uma explicação suficientemente clara. Imagino, que seja porque a noção de tráfego, não é intuitiva em relação à acepção da palavra. Isso ficou mais evidente quando apareceram os Pontos de Trocas de Tráfego (IXs). Para o senso comum, tráfego é o fluxo de dados que acontece entre os pares que fazem acordos dentro de um IX. Esse texto propõe mudar o significado de tráfego.

Intuitivamente, a noção que temos de tráfego é tudo aquilo que trafega em rodovias ou, nas ruas e avenidas de uma cidade. Inclui motos, caminhões, triciclos, automóveis seja lá de que marca ou modelo forem. Essa é a noção que estamos procurando, quando o contexto é a Internet. Nesse contexto, portanto, definimos tráfego como: tudo o que se movimenta nos meios físicos de transmissão de dados, através de representações reconhecidas por protocolos bem definidos. Tudo! Tráfego é bit! Seja lá o que os bits representem.

Internet, trânsito e tráfego

Vamos relembrar de alguns conceitos primitivos sobre a Internet, a partir da figura abaixo:

Figura 1. A Internet

A figura acima não é uma forma tradicional de representar a Internet (usualmente, em uma única nuvem) e, nem é original exceto pelo fato de incluir, além do aglomerado de Sistemas Autônomous (ASes), em laranja, os IXs, em verde e, em azul, os Sistemas Não Autônomos (NASes). Nossa definição intuitiva, não fica prejudicada pela palavra tráfego, em um IX. Pelo contrário, melhora nossa posição em relação ao senso comum, como veremos mais adiante! Incomum é a representação do que chamamos de NASes. Sistemas não autônomos são redes que, apesar de serem administrativamente independentes usam recursos e acessam a Internet através de um ou mais ASes. Por exemplo, um provedor de acesso à Internet que não seja dono de seus próprios números IPs é uma rede não autônoma. Os IPs são fornecidos por algum AS ao qual está conectado, geralmente, através de protocolos que não seja o BGP. Vale lembrar, apesar de não nos interessar nesse artigo, que mesmo um NAS pode se comportar como um AS e, portanto, implementar BGP (dai a razão da palavra “geralmente”).

Uma questão que nos vem à mente quando exibimos a Internet como um aglomerado de ASes e IXs é: qual o tamanho da Internet? Abstraindo-nos dos usuários e dos NASes, podemos enxergar o tamanho da Internet pelo número de ASes e de IXs. O Packet Clearing House (PCH) [1], em 12/11/2020, registra 108 IXs nos EEUU e 34 no Brasil (primeiro e segundo lugares em números de PTTs, respectivamente), incrementado pelas expectativas de [4]. Ótimo trabalho do Nic.br). Já em [2], pode-se ver inúmeras estatísticas sobre alocações feitas aos ASes através de seus ASNs univocamente associados. Mas, uma alocação feita a um AS não significa atividade imediata. Aos interessados, vale uma incursão nas referências [1] e [2].

A visão da relação econômica entre ASes e seus NASes é, também, importante, como motivação para entendermos a noção de tráfego. Um NAS, quando se interconecta a um AS estabelece uma relação econômica com puro interesse de acesso à Internet, isto é, com o objetivo de permitir aos usuários de sua rede (do NAS), acessar a Internet! No nome dado ao acesso à Internet é trânsito. Nesse sentido, tráfego se confunde com trânsito. Ou, em uma relação aritmética: tráfego = trânsito. Se representarmos tráfego pela letra T (maiúscula) e trânsito por \textbf{t} _ \textbf{n}, a relação aritmética fica mais próxima do formalismo usual: \textbf{T = t} _ \textbf{n}.

Caminho do tráfego

Vamos estabelecer um outro cenário, capturando da Figura 1, somente dois ASes (ASi e ASj) e seus respectivos NASes. Teremos, então, a Figura 2, abaixo:

Figura 2. Cenário simplificado.

Suponha que os NAS1, NAS2 e NAS3 possuam servidores de mensagens. Uma mensagem com origem em NAS1 e destino em NAS2, segue o caminho definido pela seta azul. É um caminho que faz jús ao trânsito contratado. Suponha agora, que a origem da mensagem seja NAS1 e o destino seja NAS2. Ora, ambos pertencem ao mesmo domínio administrativo: ASi. Então, o tráfego não irá atravessar o Resto da Internet. Veja a ilustração na Figura 3, abaixo.

Figura 3. Trânsito menor do que o contratado.

No exemplo acima, não está ocorrendo trânsito entre NAS1 e NAS2, pois a Internet está fora do circuito, uma vez que ambos estão na rede de AS1. Somente ocorre transporte de dados (nesse caso, os bits que representam a mensagem) entre NAS1 e NAS2. Nesse exemplo, o agente do transporte é ASi. Portanto, a nossa definição de transporte é bem simples: transporte é o tráfego onde não ocorre acesso à Internet. Nesse ponto e, sob a ótica do NAS1 e seu fornecedor de trânsito, podemos concluir que tráfego não é somente igual a trânsito, como indicava nossa primeira equação (\textbf{T = t} _ \textbf{n}). Tráfego é a soma do trânsito e do transporte. Geralmente, o transporte entre os NASes, é feito sem conhecimento das partes envolvidas e, sim por pura iniciativa do AS que fornece o trânsito para as partes envolvidas. O interesse, claro é reduzir o custo de tráfego de trânsito. Denotaremos tráfego de transporte, quando conhecido pela parte interessada, por \textbf{t} _ \textbf{r} e o tráfego de transporte não conhecido por todas as partes por \textbf{t} _ \textbf{i} (indicando tráfego interno). Assim, a equação de tráfego, nesse ponto será:

\textbf{T } = \textbf{ t} _ \textbf{n } + \textbf{ t} _ \textbf{i } + \textbf{ t} _ \textbf{r}

Se \textbf{t} _ \textbf{i} não é conhecido, por alguma das partes, então \textbf{t} _ \textbf{i } = \textbf{ 0} e, o seu valor real estará adicionado a \textbf{t} _ \textbf{r}. O AS que fornece trânsito quer maximizar!

Alterando o caminho do tráfego

Se somente uma mensagem for levada em conta, o valor do transporte \textbf{t} _ \textbf{r} (medido em bps – capacidade do enlace ou velocidade do enlace) é irrelevante (sob o ponto de vista de ASi, pelo menos). De qualquer forma, \textbf{t} _ \textbf{n } > \textbf{ t} _ \textbf{r}. Mas suponha que ASi tenha uma razoável quantidade de NASes em sua rede, geograficamente próximos, por exemplo, em uma mesma cidade ou município. Nesse município, existem alguns hospedeiros de dados ou de servidores. A demanda de \textbf{t} _ \textbf{r}, digamos passou a ser significativamente representativa, por exemplo, 30% do trânsito contratado por AS1, que como empresa de negócios, reduziu sua demanda com os fornecedores de enlaces para a Internet (outros ASes). É a escolha certa e AS1 tem todas as facilidades para fazer as contas. Mas os NASes, também podem chegar a tais conclusões avaliando questões semelhantes. . E, provavelmente começam a levar a sério as indicações de que interconexões locais podem trazer uma economia no trânsito. Das diversas alternativas disponíveis duas são levadas em consideração: (a) interconexões diretas e (b) o estabelecimento de um IX.

Das duas alternativas acima, o IX é a melhor escolha. A criação do IX implica em uma cooperação direta entre os interessados produzindo tráfego sem custo, pois todas as partes estão interessadas. Tais acordos de tráfego sem custo, se fazem de forma bilateral (quando dois NASes estão particularmente interessados) ou multilateralmente (quando mais de dois NASes são partes interessadas). É nesse momento que NASes se transformam em ASes, pois a topologia de um IX exige que seus membros sejam sistemas autônomos. O IX trás uma outra vantagem que são as adesões de outros ASes que também irão participar do tráfego sem custo. Esse tráfego sem custo é o que chamaremos de tráfego de peering. Apesar de tradicionalmente o tráfego de peering existir, em sua maioria nos IXs, é possível fazer tráfego de peering fora dos IXs tanto bilateralmente como multilateralmente.

Equação final do tráfego

Se denotarmos o tráfego de peering por t_p a equação final que define o tráfego ficará da seguinte forma, medida em bps:

T = t_n + t_i + t_r + t_p \text{, para } t_n \geq 0\text{, } t_r \geq 0\text{, } t_i \geq 0\text{, e } t_p \geq 0

Uma mudança na unidade de medida, de bps para moeda (p. ex.: R$), a seguinte equação, representa o custo do tráfego digamos, por Mbps:

C_T = C_{tn} + C_{tr} + C_{ti} + C_{tp} \text{, para } \forall C_{tn}\text{, } \forall C_{tr}\text{, } \forall C_{ti}\text{, } \forall C_{tp} \in \mathbf{R}

O significado das representações na fórmula acima, fica como exercício. Veja mais sobre a economia em IXs na referência [3], onde há uma interessante analogia com bananas.

Referências

[1] Packet Clearing House Report on
Internet Exchange Point Locations.

[2] The 32-bit AS Number Report.
[3] Bill Woodcock, The Economic Significance of
Internet Exchange Points.
, July 2007.
[4] Nic.br, Novas localidades para PTTMetro. Acessado em 28/10/2010.

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